#021 | CLASSE TRABALHADORA, COVID-19 E O PAÍS DESGOVERNADO [artigo]
- Jonathan Moreira
- 19 de mar. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de jun. de 2020

Como diria o ex-deputado, pura histeria... Está tudo bem!
⠀⠀Há menos de quatro meses, os portais de notícias e a mídia, no geral, estavam submergidas na temática ambiental com a jovem Greta, na incompetência do ex-deputado que ascendeu à presidencia e o dólar frequentando a casa dos R$4,00. Alguém previu como as coisas iriam mudar drasticamente em tão pouco tempo? Hoje, ao abrir os mesmos portais de notícias, as pautas principais dizem respeito a pandemia do Covid-19 e como ela está modificando o cenário econômico mundial. A pandemia é exagero? Creio que as famílias das milhares de vítimas fatais em decorrência do vírus não veem da mesma forma, afinal, a bolha só respira o ar da empatia quando a fumaça do 'só acontece com o outro' dissipa e, por fim, presenciam a situação no touch a touch. Aí, meu amigo, a coisa muda de figura.
⠀⠀De acordo com os piores cenários fornecidos por especialistas, o Brasil terá mais de quatro mil casos confirmados nos próximos dez dias, um salto alarmante em um período de tempo tão ínfimo. A OMS (Organização Mundial da Saúde), salienta a importância de evitar espaços públicos, grandes aglomerações e priorizar o home office. Mas, caro leitor, tem uma pulguinha me incomodando há alguns dias, creio que também lhe incomode, creio que ela surja nas mensagens de WhatsApp, nas conversas de boteco, ou na fila do supermercado, mas que nunca ultrapassa tais limítrofes... "O que eu, assim como a maioria, classe trabalhadora braçal, base da pirâmide numa indústria, vamos fazer?! Para nós, não existe esse lance de home office. Nós, que dependemos de metrô/busão lotado na hora do rush, everyfuckin'day? Como ficaremos em casa, com menos de um salário mínimo, aluguel, despesas e tendo que sustentar criança pequena? Fodeu! Afinal, existimos?"
⠀⠀Um exemplo objetivo sobre o quanto a classe trabalhadora só serve para sustentar o capital, é uma fala recente do ex-deputado, Jair Bolsonaro, mediante a ótima [e surpreendente] atuação de seu ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, com a utilização adequada dos protocolos internacionais de saúde pública. Segundo Bolsonaro, Mandetta está criando histeria desnecessária e deveria lapidar seu discurso ao do Governo, garantindo a "estabilidade econômica" e o direito da população [apenas seus fiéis, óbvio] de manifestar seu repúdio às instituições democráticas por meio de protestos. Ou seja, que os protestos ressoantes à la 1964 permaneçam, e que a economia está acima da saúde, pois precisa garantir seu governo. Se a plebe trabalha, apesar da pandemia, as indústrias/empresas permanecem em funcionamento, e a economia não afundaria o país.
⠀⠀O recado é claro: somos apenas peças que garantem a manutenção do Estado. Se der defeito, é só substituir, afinal, obsolescência programada nunca esteve tão em voga. Uma analogia interessante é imaginar a obrigatoriedade da utilização do cinto de segurança nos mais variados meios de transporte, mas no que diz respeito aos ônibus coletivos que atendem a base da pirâmide, transportand, ops, 'transbordando' pessoas por suas portas e janelas, está tudo okay, sem o mínimo de segurança. Segundo o Art. 105, do Código Nacional de Trânsito, são equipamentos obrigatórios dos veículos, entre outros a serem estabelecidos pelo CONTRAN: I – cinto de segurança, conforme regulamentação específica do CONTRAN, com exceção dos veículos destinados ao transporte de passageiros em percursos que seja permitido viajar em pé […]“. Os percursos 'sobre viajar em pé' se justificam, segundo as regulamentações de trânsito, pois, os coletivos possuem pontos de parada a cada 800 metros, e como os ônibus não ultrapassam os 50km/h [oi??] não há problema em trafegarem sem o dispositivo de segurança. Uma pergunta, alguém já pegou um ônibus que trafega a 50km/h?
⠀⠀De acordo com tudo isso, a negligência ao povo pobre é institucionalizada. A massa pode permanecer sem cinto de segurança nos coletivos, está tudo bem, os pobres podem morar na favela debaixo de bala e sangue, sem o mínimo de saneamento básico, na subsistência; está tudo bem, então porque seria diferente quanto a pandemia de Covid-19? Se a base da pirâmide fosse invertida, as coisas permaneceriam assim? Como diria o ex-deputado, pura histeria... Está tudo bem!
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Recomendações para leitura:
- Brasileiros estão minimizando risco, afirma diretora da OMS - https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/brasileiros-estao-minimizando-risco-afirma-diretora-da-oms.shtml
- Bolsonaro cobra discurso político de Mandetta em pandemia do coronavírus - https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/bolsonaro-cobra-discurso-politico-de-mandetta-em-pandemia-do-coronavirus.shtml
- Por que não precisamos usar cinto de segurança nos ônibus municipais? - https://vejasp.abril.com.br/cidades/por-que-nao-precisamos-usar-cinto-de-seguranca-onibus/
- Protagonismo de Mandetta na crise incomoda Bolsonaro - https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,protagonismo-de-mandetta-na-crise-incomoda-bolsonaro,70003235908
- Posso ter fugido da morte no Rio para morrer na Europa
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Ótima análise! A corda sempre arrebenta do lado mais frágil
De forma bem generalizada, além de idosos e portadores de doenças crônicas, quem vai sofrer para valer com tudo isso é o povão. Mesmo tendo o apoio inestimável do SUS, não há um suporte suficiente para receber as várias pessoas (que provavelmente nas próximas semanas) irão aparecer doentes. Além disso, o ato de estocar comida e produtos essenciais é um modo egoísta de agir no atual momento, logo que, quanto menor for a disponibilidade de tais recursos, o preço irá às alturas. E nós sabemos bem quem mais vai sofrer com isso.
Grato pelo comentário, Snakkes! E qual é sua opinião sobre o tema? Como está observando a situação atual?
Texto muito bem pensado, com uma crítica clara e de fácil entendimento! Parabéns pelo trabalho!