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#024 | A HORA 'H' [devaneios]


"Um relógio digital me atenderia, pensando bem."

⠀⠀Existe algo no universo que nos derruba em momentos despretensiosos. Num ápice de harmonia, uma voz surge lá d'onde Judas perdeu as botase diz no seu ouvidinho, com delicadeza: "a felicidade vai passar"; como quem vem te cobrar a conta do aluguel após dois meses de atraso. Ela te questiona, sem pestanejar: "e aí, o que vai fazer então quando a conta bater à porta, após a harmonia ter passado? O que vai fazer então, quando a roda-gigante da vida girar o suficiente para estagnar sua cabine na base, no chão, em frente ao monitor do brinquedo, onde a fila dobra a esquina da sorveteria de toldo azul, o que cê vai fazer?"


⠀⠀Eu não sei. Espero me recompor, escrevo para desaguar as mágoas por pessoas e seus momentos turbulentos vomitados... É tudo o que levo de herança, a mágoa vomitada pelas pessoas das quais confiamos, martelando e martelando, como o tiquetaquear do relógio de ponteiro. Gostaria de um relógio de ponteiro fluido, que não para a cada segundo, que apenas gira, eternamente, sem ejacular palavras afiadas sobre o que se desconhece, sem o tiquetaque infernal de uma voz forçada para se tornar altiva o suficiente para machucar e cobrir as próprias fronteiras de criança ferida. Um relógio digital me atenderia, pensando bem.


⠀⠀A vida segue a vida, as novas ideias, novas gerações; assim também as mágoas se seguem, se curam... amarram-se. Estancam. As palavras cicatrizam ao passo em que a areia da ampulheta despenca numa mini cachoeira desértica, sem intenção de criar vida, já criando. Rolo na areia da ampulheta, me lanço, me esgrimo no cerne, e por fora está tudo bem, sigo o trajeto social, o robô carimbado para sustentar o sistema, ainda que com um leve defeito anarquista, um mero robô na roda-gigante.


⠀⠀Sigo minha rota, assim como todos idem; no fim do jogo não sobra nada... Nem sorrisos, nem desafetos, nem o dinheiro despendido em ativos da Bolsa, muito menos a mágoa guardada por quem se 'ama' e disparada em momentos certeiros, por quem se 'ama'. Na hora 'H', nada mais será o que é, nem o prazer, nem o sorriso, nem o alívio. O sangue estancará como se nunca tivesse escorrido aos prantos. Na hora 'H', do dia 'D', no próximo ano, nada será como cremos, até porque as crenças são construídas pelos sentidos, seus limítrofes são curtos demais para viagens longas sem passaportes. Na hora 'H', serei como você. Nada.

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